fotos: Marta Pacheco
1º dia - Segunda-feira, 21.Abril.08 | 21:30
Biblioteca da escola: sala cheia. Arranca a primeira de um ciclo de iniciativas a celebrar a liberdade e a “Revolução dos Cravos” .
Acto primeiro: leitura na íntegra do portentoso e acutilante, poema de José Carlos Ary dos Santos – “As portas que Abril abriu”. Helder Cunha, aluno do Ensino Recorrente Nocturno, troou os ares com a leitura dos primeiros versos: “Era uma vez um país / onde entre o mar e a terra…”, as colunas vibravam, os ouvidos, à escuta, seguiam as palavras que nos lembravam um tempo a não esquecer. Um tempo onde tudo parecia explodir… numa explosão de gritos de liberdade, de palavras amordaçadas prestes a ecoarem em horizontes prenhes de possibilidades.
Um grito final... um murro na mesa. Bravo!
Depois… novamente o silêncio.
Acto segundo: no escuro da sala, a luz incendiou a tela de uma cor quente de fim de tarde. Num canto de África, junto ao Atlântico, homens fardados, G3 na mão, barcos no cais, o mato, o fumo de uma bomba… fotografias várias, algumas a preto e branco outras a cores esbatidas pelo tempo, olhares, ora compenetrados ora alegres, de uma alegria espontânea, como que exorcizando o medo e o escorrer do tempo, um aquartelamento, os campos da Guiné...1973. O encontro entre os que se guerreavam antes, já em 74, num tempo único e expectante.
Um curto documentário sobre memórias pessoais de uma guerra em África rolava, ao som dos Pink Floyd (Remember when you were young? / You shone like the sun. / Shine on, you crazy diamond), concentrando o nosso olhar, para muitos um primeiro olhar sobre aquilo, sobre uma realidade que marcou muitos homens lá e cá, povos lá e cá. Sem recurso a imagens de choque, às imagens a que já nos tornámos imunes, sentiu-se o ambiente e a tensão de um tempo passado mas que urge relembrar. Nas nossas mentes, ficou a nítida ideia de que não devemos deixar que os outros contem por nós as histórias que já vivemos. Foi isso que fez precisamente João Lemos, ao contar-nos, com imagens suas, um pouco daquele tempo, um pouco da sua história enquanto jovem militar num difícil teatro de guerra.
Acto terceiro: após a pregnância das imagens nos ter deixado alerta para o que viria a seguir, voltou a palavra. A palavra à mesa. Interpelados pela moderadora, Helena Santos, os convidados para o painel de intervenções, deram-nos conta de um pouco das suas vivências, partilharam com outras gerações parte da história das suas vidas. João Lemos: sobre o seu tempo na Guiné já no ocaso da Guerra do Ultramar, em período bem difícil; António Lopes e Fátima Neves: sobre os tempos da clandestinidade e todas as agruras que isso implicava, desde as formas de iludir a polícia política, dos subterfúgios para escapar às malhas da PIDE, à vivência sob a capa de outros nomes em quase total anonimato; Fernando Vilaça: sobre os tempos de prisão e da indizível tortura. Depoimentos pungentes, mas não lamechas, onde até houve tempo para o humor. Mesmo nas situações difíceis, na luta pelas suas causas, há sempre algo dissonante, algo que nos faz rir, rir do que dói. Que paradoxo! Foram momentos de revisitação do passado, cientes do presente e com os olhos postos no futuro.
Anteontem à noite, na Biblioteca da ESAF, assistiu-se a uma magistral lição de cidadania, não só se convocou a História e as histórias de cada um, como se passou a mensagem de que a luta pela Liberdade, esse bem a que todo o ser Humano aspira sempre, mais ainda quando sente a sua ausência, envolveu imensos sacrifícios. Na intervenção final, F.Vilaça dizia que não devemos nunca calar a injustiça, mas sim mostrar sentido crítico face às injustiças e às arbitrariedades de alguns poderes. Afinal, a Democracia só tem a ganhar quando os cidadãos defendem os seus direitos e não esquecem os seus deveres, quando têm uma palavra a dizer e não a calam. Helena, fechou o círculo, lembrando a necessidade de se preservar a liberdade - um bem frágil e nunca dado como adquirido, mas sempre a conquistar.
No final, entre cravos nas mãos e nos bolsos dos casacos, muitos diziam ter valido a pena, muitos queriam ver repetido aquele painel, agora e sobretudo para os alunos mais novos do ensino diurno, aqueles que nasceram anos depois de Abril de 74 e para os quais essa é pouco mais que uma data que consta nos livros de História como marco de uma revolução. Outros, diziam ainda como tinha sido importante, ter pela frente, ao vivo, alguém que viveu esse tempo e dispensou um pouco do seu tempo pessoal para o partilhar. Aprendemos todos um pouco mais. Afinal o objectivo que nos moveu foi eminentemente pedagógico e formativo, sem deixar de ser cultural (passe a redundância). jd
1 comentário:
Esta iniciativa vai ser concerteza para repetir, tal como já o tem referido e sugerido várias pessoas, prometo!Não tinha a percepção exacta, de que os jovens e até alguns menos jovens, não soubessem o que foi o antes do 25 de Abril e o que passaram aqueles que tinham vozes discordantes com o regime fascista, bem como o que passaram para fazer valer a sua contestação que deu origem à LIBERDADE com o 25 de ABRIL! Bem hajam a essa gente boa que lutou sem pedir nada em troca!
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